Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

coisas & loisas

coisas em que vou pensando e loisas de que gosto, ou não

coisas & loisas

coisas em que vou pensando e loisas de que gosto, ou não

Mentiras e Verdades

28.03.21 | Álvaro Aragão Athayde


É mais fácil enganar as pessoas do que desenganá-las.

Porquê?

Saber não sei, mas suspeito.

Suspeito, estou mesmo praticamente certo, que ter de reconhecer que fomos enganado é desagradável, desagradabilíssimo, por vezes traumatizante.

Os exemplos clássicos são dois:

  1. O do cônjuge enganado.
  2. O do conto do vigário.

Ter de reconhecer que fomos enganados afecta imenso a boa imagem que gostamos de ter dos outros e de nós próprios, o que nos leva a evitar reconhecê-lo, mesmo quando o engano é por demais evidente.

Na prática acabamos por não ter remédio senão reconhecê-lo se, e quando, os prejuízos que o engano nos causa atingem níveis inaceitáveis. Níveis inaceitáveis em termos materiais, em termos morais (ou espirituais), ou em ambos os termos. Até lá estamos em negação: Não! Não acredito!




Terraplanistas são eles

A “ciência” viu-se apropriada por devotos da virologia de veterinários, da fancaria das TVs e da hipocondria do inquilino de Belém. Isto é, por místicos que não fazem a mínima ideia do que é a ciência.

Por Alberto Gonçalves no Observador às 00:09 de 27 de  Março de 2021.

Antes da Covid, o “argumento” mais revelador da falta de argumentos e de neurónios de quem o utilizava era o da Rennie. Quando alguém confrontava um palerma com alguma coisa que lhe desagradasse, o palerma respondia imediatamente: “Toma Rennie que isso passa”, e a seguir retirava-se triunfante e seguro de que ganhara o debate. Num país cujo serviço de saúde não colapsasse à primeira oportunidade, o palerma ganharia a avaliação de uma junta de psiquiatras, mas esse é outro ponto. Aqui, o ponto é o recuso ao refluxo gástrico, vulgo azia, para encerrar uma discussão. Às vezes, o Kompensan substituía a Rennie, embora não houvesse massa encefálica que substituísse o ar morno na caixa craniana dessa gente. Bons tempos.

Em tempos de Covid, e contra todas as expectativas, o nível da “argumentação” conseguiu baixar. Hoje, a turba indistinta do “fique em casa”, do “confinamento” eterno e das máscaras permanentes é tão desprovida de razão que faz o pessoal da Rennie parecer sofisticado por comparação. O caso é particularmente irónico na medida em que, no lugar dos antiácidos, a nova estirpe de magos da retórica invoca a ciência. Ou melhor, aquilo que julga ser ciência, na verdade umas curvas estatísticas apresentadas em reuniões no Infarmed por matemáticos e veterinários desejosos de agradar ao governo. Não importa que as curvas sejam inúteis a descrever o presente e desastrosas a prever o futuro. Não importa que ninguém perceba a sensatez de trucidar uma economia débil a partir de curvas mal amanhadas. E não importa que as curvas se limitem a confirmar as conclusões previamente tomadas pelo dr. Costa e pelo prof. Marcelo: manter os cidadãos em clausura parcial, rebentar com a iniciativa privada e produzir mais dependência face ao Estado e às quadrilhas que o controlam. Importa que, na cabeça dos tontos, as curvas e as desumanas restrições que delas “decorrem” são “ciência”. E importa sobretudo que, armados com solenidade “científica”, os tontos se sentem habilitados a insultar e perseguir quem deles discorda.

Quem sugerir que o estado de emergência não é adequado para lidar com uma doença que quase só afecta gravemente velhos é “negacionista”. Quem lembrar que teria sido decente proteger os velhos, em alternativa a prender a população em peso, é “terraplanista”. Quem notar que a evolução da Covid  não depende exclusivamente de “confinamentos” e regras abstrusas é “medieval”. Quem inventariar os países e as regiões em que a falta de “confinamento” e de regras abstrusas coabita com o decréscimo nos infectados e nos mortos é “conspiracionista”. Quem insiste em conviver com familiares e amigos é “bolsonarista”. Quem repara que o Brasil tem menos mortos “com” ou “de” Covid do que Portugal é “primitivo”. Quem não respeita as normas decretadas por governantes que não se dão ao respeito – nem respeitam as próprias normas – é “fascista”. Quem questiona a prepotência é “nazi”. Quem não sai de casa sem se disfarçar de iraniana ou assaltante de bancos é “anti-social”. Quem não reduz a vastidão do universo a um vírus é “inconsciente”. Quem recorda que a existência implica sempre riscos é “criminoso”. Quem previne que esta demência colectiva terá consequências muito feias para todos, excepto para os irresponsáveis que a provocaram, é “assassino” e indigno de merecer o proverbial ventilador no dia em que precisar de um.

Estamos nisto. É, literalmente, o mundo ao contrário. De repente, a “ciência” viu-se apropriada por devotos da virologia de veterinários, da fancaria dos telejornais e da hipocondria do inquilino de Belém. Ou seja, por místicos que não fazem a mínima ideia do que é a ciência. Boa parte destes “cientistas” instantâneos até se diz de esquerda, o que os coloca logo no mesmo campeonato da credibilidade de astrólogos, cartomantes, homeopatas e cultores do Feng Shui. Muitos não sabem ler uma tabela estatística. Muitos são incapazes de alinhavar uma frase sem dois erros ortográficos e três de sintaxe. Muitos julgam que Steinmetz é um defesa do Dortmund. Mas nenhum abdica de uma ideia infantil acerca do que é ciência para fundamentar o seu dogmatismo.

Em circunstâncias normais, não custaria deixar os fanáticos a berrar sozinhos e assistir de bancada ao espectáculo. Afinal, há certa graça em ver em acção as principais características do método científico: a intolerância, a fúria e a vontade de enfiar blasfemos na cadeia ou na fogueira. A chatice é que as circunstâncias não são normais, e estes adeptos do pensamento mágico (sem a parte do pensamento) não contam apenas com a força da cegueira, que já é bastante. Para azar dos que prezam a civilização, os fanáticos contam com a força literal, a dos senhores que legislam alucinações e a da polícia que as executa. A boçalidade, enfim, tomou por completo o poder, através dos que o ocupam e através dos que os apoiam. Salvo milagre, os factos estão condenados a subjugar-se a indivíduos que enchem a boca com ciência como antes a enchiam com liberdade, embora desconheçam a primeira e detestem a segunda. Terraplanistas, negacionistas e primitivos são eles.

Original e comentários aqui.

Os comentários podem ser lidos pelos não assinantes e é extremamente instrutivo lê-los.










Etiqueta PrincipalGuerra Cultural.

Rotativismo Democrático

27.03.21 | Álvaro Aragão Athayde

 

Partido Socialista (PS) à esquerda, Partido Social-Democrata (PSD) à direita.



Prós e Contras com Arnaldo Matos - Parte 1


Prós e Contras com Arnaldo Matos - Parte 2



Passar do PS para o PSD é como passar do pé esquerdo para o pé direito.

Passar do PSD para o PS é como passar do pé direito para o pé esquerdo.


E as mãos?

As mãos? Uma lava a outra!


Uma lava a outra e ambas lavam a cara.


Perdão!

Ambas lavam as caras.


Será que não existe na política senão este corpo com duas caras?


Existem outros corpos sim.

Arnaldo de Matos e Adriano Moreira demonstram-no cabalmente.


Existem ainda mais corpos, e outros mais podem ser inventados, nada obriga os portugueses a sujeitarem-se ao corpo com uma cabeça de duas caras.










Etiqueta Principal: Rotativismo Democrático.

Assobia para o lado

21.03.21 | Álvaro Aragão Athayde



assobia para o lado


Saúde e dinheiro para gastos, tesão

Pouco mais importa como brinda o meu amigo João

Com esse brinde eu começo uma canção

Que não prescinde uma certa reflexão


Em menos de nada, a gente já foi boy

Tenta ser o Winnie em vez de quereres ser o cowboy

Escolhe bem as tuas guerras, o que não te mada moi

Ambição é boa, mas quando cega, destrói (No doubt)


Quem te fala não sabe nada, mas vai a meio do caminho

Não vale a pena fazê-lo sozinho

De que serve a jornada se não partilhas a chegada

Bem regada com o teu vizinho


Ouve o meu conselho, se tiveres pra aí virado

Verdadeiro sucesso é amar e ser amado

Se disserem o contrário não fiques preocupado

Nã, assobia para o lado


Assobia para o lado

Assobia para o lado

Assobia para o lado


Eu só quero tar tranquilo, rodeado de algumas coisas

Que preciso para ter a minha paz

Pra quê andar atrás daquilo que não controlo

Quando na verdade o essêncial satisfaz


A maioria não está necessáriamente certa

Questiona o que te dizem, mantém-te alerta

Não tenhas medo arriscar a vida é uma oferta

Mas essa porta, não fica para sempre aberta


Não percas muito tempo a pensar no que vão dizer

Por aí, na dúvida sorri

Respeita a vontade que pulsa dentro de ti

Para viveres em pleno a passagem por aqui


Ouve o meu conselho se tiveres pra aí virado

Não precisas de luz pra te sentires realizado

Se disserem o contrário não fiques preocupado

Nã, nã, assobia para o lado


Assobia para o lado

Assobia para o lado

Assobia para o lado


Ma' nada

Assobia para o lado


Assobia para o lado

Assobia para o lado


Há sempre um mano enjoado

No caminho pra'o trabalho

No trânsito parado

Aquele tipo mal educado

Que nunca sorri ou responde

Quando é cumprimentado

Esquece!

Não te rales muito bro

Preocupa-te com aquilo

Que é realmente importante

Quanto ao resto, sabes...

Assobia para o lado

Assobia para o lado




Há nos confins da Ibéria um povo





Fontes
  1. O Tuga e o Confinamento. Old Boys Network. WhatsApp Image 2021-03-16 at 21.21.56.
  2. Carlão - Assobia Para O LadoCarlão Oficial. YouTube. 13/03/2020. 
  3. Letras - Carlão - Assobia para o Lado. Musixmatch. 16 de março de 2021.
  4. Caixa “Toma”. MRBP.CER.0375© Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa. Sem data.
  5. Há nos confins da Ibéria um povo… Citador. Sem data.






Etiqueta PrincipalGuerra Cultural.

No politicamente correcto…

19.03.21 | Álvaro Aragão Athayde

doutrinação


No políticamente correcto o Brasil está anos luz à frente de Portugal como facilmente se constata lendo o artigo de título O Marxismo cultural e a nossa violência Quotidiana, artigo de onde foi retirada a caricatura acima, artigo que foi publicado no dia 14 de Maio de 2014, já lá vão quase 7 (sete) anos.


Observatório da população em 
cargos de gestão do pensamento neutro e inclusivo
Para uma educação neutra, as identidades nacionais devem ser substituídas por uma humanidade global, fluída, indistinta, volátil, inclusiva. Bandeiras, só talvez a do arco-íris.

Por Jaime Nogueira Pinto no Observador às 06:50 de 19 de Março de 2021. Original aqui.

Em 2003, quando ainda a procissão e o milénio iam no adro, Anthony Browne, um licenciado em Matemática por Cambridge, escritor, jornalista e colaborador do Times, publicou The Retreat of Reason – Political Correctness and the Corruption of Public Debate in Modern Britain.  E a título de exemplo, começava por denunciar a cortina de silêncio com que, por puro pudor e paternalismo ideológico, a imprensa britânica tinha velado a incidência de HIV nas comunidades de migrantes africanos. E isso era só um vislumbre: a Grã-Bretanha, que “durante séculos tinha sido um farol da liberdade de pensamento, de credo e de expressão”, via agora “a sua vida intelectual e política acorrentada”, com “vastas áreas de conhecimento” excluídas do debate pelos novos moralistas.

Browne resumia depois a Longa Marcha do marxismo cultural, da escola de Frankfurt à contracultura euro-americana dos anos 60, e daí até à hegemonia académica, sobretudo nas Ciências Sociais e, mais especificamente, nos “Estudos” sectoriais, que as universidades norte-americanas irradiavam para o mundo.

E os “Estudos”, pós-coloniais, feministas, interseccionais, proto-LGBTQ+ – que, no seu melhor, começaram por ser sedutoras “paranóias de tipo interpretativo” com “a força e a estreiteza da loucura” (para usar a definição de Pessoa do “critério psicológico de Freud”), capazes de nos alertarem para realidades encobertas, de acordarem outros sentidos nas obras literárias, historiográficas ou filosóficas, de abrirem caminhos e campos de investigação e de criaram novas oportunidades de trabalho –  foram tomados de assalto por zelotas.

Aconteceu também que o zelo destes zelotas, com o seu vocabulário esotérico (tanto mais complexo, sofisticado e “científico” na forma, quanto mais oco, medíocre e manipulador no conteúdo), se foi sobrepondo a tudo o resto… E foi seduzindo fundações burguesas e governos que, quais aristocratas francesas acarinhando nos seus salões as iluminadas ideias que haviam de cortar o pescoço aos seus filhos e netos, se foram rendendo ao charme discreto dos novos “sábios dos oprimidos”.

E assim os “Estudos” cresceram e multiplicaram-se, enchendo e dominando a academia e reinando sobre todos os animais exóticos da terra. E desdobraram-se em Centros, Fóruns, Iniciativas e Observatórios, subjugando aqui, domesticando ali, preservando acolá, mas observando sempre.

E eis que, em incansável demanda por opressores e oprimidos, por macro e micro agressões, por visões alternativas e por subvenções, os zelotas que, do alto dos seus observatórios de marfim, tinham começado por promover a nova moral, passaram a perseguir os recalcitrantes – passados, presentes e futuros. Cada tique de linguagem, cada acto, palavra ou omissão, cada desvio do pensamento correcto, neutro e inclusivo, cada cisco, por mais ínfimo, no olho de um “opressor”, ou de um autor consagrado ou de uma figura histórica celebrada, era escrupulosamente observado, pesado, medido, condenado. E não se pense que os “oprimidos” conheciam melhor sorte: a eles também se exigia que não saíssem do redil e que se cingissem à identidade em que os novos moralistas os encurralavam… É que se não parassem quietos e se não se deixassem ficar oprimidos como lhes competia, se começassem a pensar e a reivindicar individualidades e especificidades, como é que queriam que os detentores da nova verdade e da nova moral os libertassem, lhes arranjassem subsídios e empregos nos Centros, Fóruns, Iniciativas e Observatórios que eles controlavam e os sustentam?

“Pensamento correcto” foi uma expressão abundantemente usada pelos partidos comunistas nos anos 20 e 30; Mao Tsé-Tung repetiu-a incessantemente nos seus escritos. Correcto, era todo o pensamento que estava de acordo com a linha do Partido ou que batia certo com as categorias históricas e sociopolíticas cientificamente estipuladas pelo Grande Timoneiro. Fora dessa correcção, não podia haver pensamento – mas não deixava de haver consequências.


Do pensamento correcto ao pensamento neutro e inclusivo

Dir-se-á que agora, com o actual “pensamento neutro e inclusivo”, que actua essencialmente no condicionamento da linguagem, não há consequências. Ou não as haverá tão imediatamente brutais e fatais. Mas não deixa de haver supressão do pensamento “incorrecto”, ou seja, inibição do pensamento. E se a nova ortodoxia parece não aspirar já a um tradicional “assalto ao poder”, é só porque a influência constante e progressiva nas mentalidades, traduzida depois em leis e regulamentos, tornou o velho “assalto” irrelevante.

Fora do discurso consentido, todo o discurso poderá facilmente ser denunciado como “discurso de ódio”, ao sabor do zelo e da criatividade dos sacerdotes do novo credo e do seu Index. Acresce que esta ortodoxia é tendencialmente elitista, acarinhando os magos e desprezando os pastores, procurando colonizar preferencialmente, por doutrinação ou pressão, as elites funcionais – ou, para usar uma linguagem mais consentânea, “a população em cargos académicos, artísticos, mediáticos e empresariais”.

Mas se a resistência vem das maiorias que o pensamento “neutro e inclusivo” discrimina, como as classes médias profissionais, as massas populares e religiosas e o grosso da população “binária”; vem também das minorias que o mesmo pensamento cristaliza.


Portugal no bom caminho

É por isso que consideram urgente domar a linguagem e explicar ao povo e às crianças o novo credo. Para uma educação neutra, as identidades nacionais devem então ser substituídas por uma humanidade global, fluída, indistinta, volátil, inclusiva. Bandeiras, só talvez a do arco-íris, devendo a História nacional ser reavaliada à luz do que foram “verdadeiramente” os “chamados Descobrimentos”: nada mais do que uma empresa comercial lucrativa, racista, esclavagista e exploradora dos povos africanos e ameríndios.

E estamos no bom caminho: temos uma investigadora que quer anexar notas pedagógicas anti-racistas aos Maias de Eça de Queiroz, um deputado que quer destruir o Padrão dos Descobrimentos, uns anónimos que acham que vandalizar a estátua do Padre António Vieira é lutar contra o racismo, e um Conselho Económico e Social que acha fundamental para a nossa economia e para a nossa sociedade que se adopte uma nova linguagem. Não restam dúvidas: entre a profunda ignorância de quem aparentemente pertence à “população com baixa visão” mas que frequentemente descobrimos como parte da “população em cargos de gestão”, estamos mesmo no bom caminho.

São tempos estranhos para a razão e para o senso comum, sob estas acometidas orwellianas, tão apartadas de qualquer visão minimamente realista da natureza humana, da criatividade humana e do pensamento e da acção humana que têm tudo para acabar mal.

Segundo o novo código de Hollywood, para que um filme se candidate aos Óscares, deverá agora ter “pelo menos um actor ou uma actriz principais de etnias sub-representadas” (asiática, hispânica, afroamericana, nativa-americana); e o elenco secundário terá de ter, “pelo menos, 30% de mulheres, LGBTQ+ ou pessoas com incapacidade”, que deverão “estar também representadas, de alguma forma, no argumento”. Enfim, perante esta sua sequela gramsciana, empalidece, acabrunhado, o realismo socialista da Rússia de Estaline (que sempre tinha Dziga Vertov e Sergei Eisenstein).

É todo um novo catecismo laico, mas promovido com fúrias de Torquemada. Aplicou-se, consciente ou inconscientemente, um princípio de desconstrução marxista, que passou da “classe social” para outras determinantes. Onde, na Vulgata, havia Burgueses e Proletários, Exploradores e Explorados, Patrões e Trabalhadores, há agora o mais fluído binómio Opressor-Oprimido – ainda que com categorias igualmente inflexíveis, de raça, de género, de comportamento social e político.

E tal como Marx, Engels, Lenine e Trotsky, que não eram propriamente proletários, adoptaram “a teoria do Partido como vanguarda da classe operária” para puderem liderar a revolução, também  os pioneiros da Correcção Política, que, na sua maioria, também não são propriamente “oprimidos de origem”, adoptam agora a teoria da vanguarda para poderem guiar e pastorear convenientemente os “novos proletários”. E assim como Marx e Engels sofriam com a adesão dos operários franceses e alemães ao bonapartismo ou ao socialismo patriótico, também os novos comissários políticos sofrem com os  trânsfugas das modernas massas “minoritárias” ou “oprimidas”  e sabem que não as podem deixar ao abandono. Têm de ser educadas e controladas. E, para isso, lá estão os capatazes, os quadros médios vigilantes, na Academia, no jornal ou na estação televisiva, prontos a seguir, por convicção, ignorância, ou dependência, a “linha geral” e correcta, a linha do Partido, e a punir os oposicionistas e os desviacionistas.

Para singrar neste mundo “neutro e inclusivo” há inúmeros filões a explorar, e as figuras e os escritores de outras épocas abrem toda uma vasta gama de apetecíveis e subsidiáveis possibilidades. E se ao ler Eça somos imediatamente confrontados com a ausência – e a necessidade, e a urgência – de notas pedagógicas anti-racistas, o mundo machista de Camilo, por exemplo, pleno de “discurso de ódio” contra “brasileiros”, de mulheres que acabam em conventos por paixões contrariadas, ou, pior ainda, que casam, têm filhos e estão contentes, afigura-se ainda mais necessitado de delações censórias. E Camões, e Gil Vicente, que riqueza para denúncias!

Lorena Germán, presidente do National Council of English Teatcher’s Comittee Against Racism and Bias in Teaching of English é um exemplo a seguir. À semelhança de Mao, que não gostava de Shakespeare ou o achava impróprio para as massas e por isso o proibiu durante a Revolução Cultural, Germán também não morre de amores pelo Bardo. Ou melhor, concede que “como qualquer outro dramaturgo” Shakespeare até terá um certo “mérito literário”, mas nada que ofusque a abjecta demonstração de “supremacia branca e colonialista” que os seus textos, e a importância que se lhes dá, exalam. E a violência, a misoginia e o racismo que descortina em Shakespeare, levam a professora a sugerir que se celebrem nas salas de aula “as vozes dos marginalizados”, até para mostrar aos estudantes “uma sociedade melhor”. Defende ainda que “é imperativo corrigir a mensagem que os educadores e os sistemas escolares dão às crianças”: Haverá uma linguagem “superior”? E qual deverá ser ela?  Quais são as histórias verdadeiramente “universais”? Que História devemos transportar para o futuro?


Cancelar Shakespeare

Shakespeare não será, evidentemente, um dos eleitos, uma das vozes a transportar para o futuro.  Até porque está longe de reunir os requisitos da nova linguagem e do novo pensamento neutro e inclusivo. É difícil encontrar um escritor onde a Humanidade, na sua grandeza e miséria, nos limites do sublime e da queda, no elenco dos sentimentos e dos sentidos, seja tão intrincada e completamente recriada – e isso, não só não é bom para as massas, como é, claramente, demais para a simplista e maniqueísta neutralização do pensamento que nos deverá guiar.

Mas haverá palavras “neutras” para falar de paixão mais inclusivas do que as que Shakespeare usou em Romeu e Julieta? Será só de “branquitude” que nos fala quando disseca os caminhos da tragédia, da ambição e do poder em Júlio César? Ou quando nos confronta com o ressentimento, a malevolência e o ciúme, em Otelo? Sim, Otelo, o “Mouro”, ou o “Negro” de Veneza, o condotiere mercenário, integrado por Desdémona, mas olhado sempre como um “cristão-novo” pelos patrícios. E a revolta das “minorias”, não estará lá na tirada defensiva de Shylock, no Mercador de Veneza, ou na sombra de Caliban, na Tempestade? Pouco importa: deixámos de precisar de Shakespeare, que só por preconceito e por imposição racista resistiu a séculos de leitura; o que o mundo e os estudantes agora precisam, o que todos nós precisamos agora, e urgentemente, é de linguagem neutra e inclusiva.

Marx era um grande leitor e admirador de Shakespeare, lia-o aos filhos e a família chamava-lhe “O Mouro”, por causa da sua obsessão por Otelo. Via em Shylock o retrato do explorador e Timon de Atenas serviu-lhe de ponto de partida para uma reflexão sobre os paradigmas do ouro e do dinheiro. Mas isso eram outros tempos, tempos opressores, em que “a cultura” era mais depressa valorizada do que cancelada, e em que o pensamento não era ainda suficientemente neutro e inclusivo.

Felizmente, e para desgosto das Lorenas Germáns deste mundo, não são só as “maiorias opressoras” que reagem… Alguns dos mais qualificados membros pensantes das “minorias oprimidas” também fogem ao espartilho imposto, resistindo ainda e sempre à neutralização do pensamento.

A grande poetiza negra americana, Maya Angelou, estava bem ciente que Shakespeare era branco, inglês e do Renascimento, mas, recordando a sua própria condição marginal na Carolina do Norte dos meados do século XX, escreveu a propósito do Soneto 29 (aquele que começa “When, in disgrace with fortune and men’s eyes / I all alone beweep my outcast state”):

Shakespeare escreveu-o para mim, esta é a condição da mulher negra. Claro, Shakespeare era uma mulher negra. Percebo-o bem. Ninguém mais o sabe, mas eu sei que Shakespeare era uma “mulher negra”.

Estamos com ela. Resistimos e vamos resistir à neutralização do pensamento. Pelas maiorias e pelas minorias.







Etiqueta Principal: Guerra Cultural.

“Matança da Páscoa” - O Golpe de 11 de Março de 1975

11.03.21 | Álvaro Aragão Athayde


A Matança da Páscoa, também conhecida como operação matança da Páscoa, é a designação de uma suposta operação militar de preparação de um golpe de estado em Portugal, em 1975, atribuída por certos comentadores ao Partido Comunista Português, apoiado pela União Soviética, que passaria pelo assassínio de várias personalidades contrárias a Moscovo. Entre as personalidades a abater estariam 500 oficiais e 1000 civis apoiantes do antigo presidente Spínola.

Os receios causados pela divulgação desta suposta operação desencadearam o golpe de 11 de Março de 1975. Vasco Lourenço, implicado nesta acção, declarou mais tarde que não havia lista nenhuma na operação matança da Páscoa. Diz terem sido serviços de informação americanos ou russos que puseram a circular essa ideia com o fim de «lançar a casca de banana aos spinolistas». A mesma opinião seria partilhada por Manuel Alfredo de Mello: «… foi estendida uma casca de banana ao Spínola e os seus apaniguados caíram, deixando a retaguarda de um lado da resistência ao PCP desmantelada».

História 
A 8 de Março de 1975, António de Spínola foi avisado pelos serviços secretos espanhóis e franceses que estaria em marcha a operação da “Matança da Páscoa”, tendo a mesma informação sido comunicada a organizações da extrema-direita militar lideradas pelo general Tavares Monteiro. Esta circulação de rumores impulsionou Spínola a reagir, tendo montado de forma mal preparada e mal organizada o golpe de 11 de Março de 1975.

Em 2014, aquando da publicação de documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos referentes à política externa norte-americana entre os anos 1969–1977, foi divulgado que Frank Carlucci e William Hyland indicavam António de Spínola como sendo àquela data o maior risco para os objectivos norte-americanos.

Referências
— Ver “Matança da Páscoa (Golpe de 11 de março de 1975)”. Wikipédia, a enciclopédia livre. Esta página foi editada pela última vez às 20h03min de 13 de março de 2021.



🇵🇹 Portuguese Revolution - 11 Mars 1975 - “Matança da Páscoa” (In Portuguese only)

Comentário de Duarte Simões há 1 semana

Nesse dia, cheguei à minha janela da cozinha num oitavo andar e olhei PARA BAIXO 👇 para ver passar uma parelha de T-6 da FAP! Foi inesquecível..!

Posso-vos afirmar que absolutamente ninguém percebia um corno do que se estava a passar. Nem eu, com dez anos, nem Frank Carlucci, o Embaixador dos Estados Unidos, nem o Exército, nem a população, nem o Governo, ninguém! Foi o maior granel de que me lembro. Andava tropa pelas ruas, civis armados de G-3, tudo a gritar que a Reação não passará, T-6, F-86 e Alouettes a abrir a baixa altitude sobre Lisboa, tudo excitadíssimo e ninguém se entendia.

Retrospectivamente até parece cómico e foi, mas houve pelo menos um morto e uma série de feridos no RALIS e isso já não tem piada nenhuma.

O PREC foi um período extraordinário que valeu a pena viver. Mil vezes mais interessante do que esta chachada do Covid. Se tivesse havido Covid na altura ninguém ligava nenhuma nem cumpriria ordens estúpidas do Governo.

Este vídeo, que foi publicado a 16/02/2020, tem actualmente 15.579 visualizações e 84 comentários, alguns bem interessantes.



A Carnation Revolution, a primeira Regime Change Operation a que foi dada uma cor, logo a primeira Colour Revolution, correu mal do ponto de vista dos seus promotores, como todas têm corrido, e exactamente pelas mesmas razões:

  1. Nem todos pensam a agem como os estadunidenses pensam que eles pensarão e agirão.
  2. Existem actores que os estadunidenses não controlam, por vezes de que nem sequer conhecem a existência, ou reconhecem a importância.


Globalmente falando:

  1. Todos enganaram todos.
  2. Todos perderam, embora uns mais, outro menos.
  3. Alguns, poucos, ganharam umas coisinhas, poucas.







Etiqueta Principal: PREC.

Para que necessita Portugal de ter Forças Armadas?

08.03.21 | Álvaro Aragão Athayde

Portugal, pouco território, muito maritório.


O mapa “Portugal é Mar”, publicado pela Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), o artigo “O anunciado reforço das competências do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas”, publicado pelo Observador, o meu comentário ao dito artigo, também no Observador, e a minha resposta à pergunta em título.


o artigo

O anunciado reforço das competências do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas

Acentuar, desta forma, a irrelevância das Forças Armadas, é manter a estratégia que tem sido seguida pelo poder político, ao evitar tratar as matérias que verdadeiramente importam.

Joaquim Formeiro Monteiro, 
Tenente General (ex-Quartel Mestre General do Exército) 
• Observador • às 00:04 de 05 de Março de 2021 

As recentes declarações do Ministro da Defesa Nacional (MDN), em sede da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, e divulgadas nalguns órgãos de comunicação social, revelaram o seu propósito em propor o alargamento das competências do CEMGFA no âmbito de uma nova Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) a apresentar, brevemente, na Assembleia da República, e vieram levantar algumas questões, que importava medir e avaliar.

Na actual LOBOFA, o CEMGFA tem a responsabilidade de planeamento e implementação da estratégia militar operacional, tendo, para o efeito, os Chefes do Estado Maior dos Ramos (CEM’s) na sua dependência hierárquica para as questões que envolvem a prontidão, o emprego e a sustentação das Forças e meios da componente operacional do Sistema de Forças Nacional (SFN).

No art.º 10º da referida Lei, essas responsabilidades encontram-se explicitamente inscritas num conjunto de competências, que asseguram ao CEMGFA o comando e o controlo operacional das Forças Armadas (FA) através das capacidades operacionais dos Ramos, incluindo as missões das Forças Nacionais Destacadas, bem como as acções no âmbito da Protecção Civil.

No referido diploma, fica bem claro que os CEM’s se relacionam directamente com o CEMGFA, como Comandantes subordinados, mantendo na sua dependência as questões relacionadas com a geração, recrutamento e sustentação das Forças, bem como as responsabilidades no âmbito das operações específicas dos respectivos Ramos.

Questiona-se, então, qual o sentido das afirmações do MDN sobre o lançamento das bases do futuro das FA e o que pretende referir, concretamente, quando indica que quer colocar os CEM’s dos Ramos na dependência hierárquica do CEMGFA, quando tal disposição já está contemplada no quadro da LOBOFA em vigor?

O que pretende dizer, quando afirma não fazer sentido pensar na autonomia dos Ramos, quando, efectivamente, a subordinação dos mesmos ao CEMGFA, através dos respectivos CEM’s, já se encontra materializada no referido diploma?

Qual a sua intenção, ainda, ao referir não haver a intenção de menorizar os Ramos, indicando que os mesmos continuarão a existir e a deter uma identidade própria e vincada, enquanto propõe, entretanto, que os respectivos Estados Maiores fiquem sob a coordenação do CEMGFA e os CEM’s deixem de despachar directamente com o ministro?

O que pretende afirmar, finalmente, quando assinala que com um novo diploma sobre organização das FA se irá melhorar o processo de gestão das mesmas e acabar com as redundâncias verificadas?

Sobre este aspecto, importaria que o MDN pudesse esclarecer os Portugueses sobre quais as missões que as FA não tenham vindo a cumprir com relevância e reconhecimento, quer internamente, quer ao nível internacional, e como se questiona o processo de gestão do seu emprego, quando se assiste a uma continuada redução dos recursos atribuídos para o seu funcionamento, sem prejuízo, no entanto, da sua proficiência?

No mesmo sentido, impunha-se que indicasse quando e de que forma a coordenação entre o CEMGFA e os CEM’s não se tenha vindo a pautar, em cada momento, pela eficiência colocada nos processos de planeamento e de emprego das forças e na optimização das capacidades do SFN disponíveis, e, nesse sentido, como pode sugerir a existência de redundâncias, que, no seu entender, se impõem eliminar?

Parece concluir-se, então, que o facto da LOBOFA em vigor contemplar, já, respostas às questões que o MDN, agora, vem colocar para justificar o reforço das competências do CEMGFA, deixa transparecer o objectivo último da sua proposta, o qual se prende, na sua essência, com a desejada subalternização dos CEM’s, ao cortar a sua relação directa com a tutela, tornando-a, deste modo, exclusiva com o CEMGFA e esvaziando o papel do Conselho de Chefes de Estado Maior, ao perder a sua função deliberativa, atribuindo-lhe um mero papel consultivo.

Resta, assim, um indisfarçável propósito da menorização das FA, pela irrelevância atribuída aos Comandantes dos Ramos, ao ponto de os posicionar num patamar inferior ao das forças de segurança, cujos chefes continuarão a manter uma relação directa e privilegiada com a respectiva tutela política.

Acentuar, desta forma, a irrelevância das FA, não é mais do que manter a estratégia que tem sido seguida pelo poder político, ao evitar tratar as matérias que, verdadeiramente, importam às FA e aos militares e que passam pela drástica quebra dos efectivos, pela paralisia dos processos de reequipamento e pela sistemática suborçamentação de que são alvo, a par do não cumprimento da lei da Condição Militar, da desconstrução do Serviço de Saúde Militar, em particular do Hospital das Forças Armadas, e da pré-falência da Assistência na Doença aos Militares (ADM) e do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA).


o meu comentário ao dito artigo

Os partidos políticos da III República temem os militares.

Do BE ao CDS-PP todos os temem porque todos receiam que os militares lhes façam o que fizeram aos políticos da I República e, também, aos da II República.

Temem os militares mas não podem extinguir as Forças Armadas (FA) por razões que ainda não compreendi.

Muito possivelmente por medo puro e simples.

Não podendo extinguir as FA tentam anulá-las e nesse esforço desconsideram os militares, o que é tudo menos avisado.

Entretanto os militares perdem-se em queixas, questiúnculas e reclamações e parecem ser incapazes de explicar ao país, políticos incluídos, para que diabo necessita Portugal de ter FA.

O resultado é assistirmos a uma lamentável troca de galhardetes entre dois grupos de incompetentes.


a minha resposta à pergunta em título

Para que necessita Portugal de ter Forças Armadas?

O Arquipélago Português.

A Terceira República Portuguesa é, actualmente e geograficamente falando, um arquipélago de três arquipélagos:

  1. O Arquipélago Madeirense, com duas ilhas habitadas e cerca de duzentos e quarenta mil habitantes.
  2. O Arquipélago Açoriense, com nove ilhas habitadas e cerca de duzentos e quarenta e sete mil habitantes.
  3. O Arquipélago Continentalense, com cerca de nove milhões e seiscentos e noventa mil habitantes e muitas ilhas, sendo as duas maiores a Ilha Lisbonense, com cerca de dois milhões e duzentos e cinquenta mil habitantes, e a Ilha Portuense, com cerca de um milhão e setecentos e cinquenta mil habitantes.

Dir-me-ão certamente que a Grande Lisboa e o Grande Porto não são ilhas porque a água não as rodeia por todos os lados, mas o facto é que o são porque quem nelas nasceu, cresceu, habita, trabalha, vive uma vida e tem uma mentalidade que em nada, ou em pouco, se distingue da vida e da mentalidade de madeirenses e micaelenses.

Tendo a geografia da Terceira República Portuguesa estas características arquipelágicas Portugal necessita Forças Armadas (FA) para poder garantir a segurança e a defesa do seu território e, principalmente, do seu maritório, um maritório que é estratégica e economicamente importantíssimo e cobiçadíssimo.

Logo, e atendendo à geografia, as FA são necessárias à garantia da:

  1. Liberdade e segurança da circulação entre os três arquipélagos.
  2. Defesa do território, isto é, das partes emersas dos três arquipélagos.
  3. Defesa do maritório, isto é, das partes imersas dos três arquipélagos (mar territorial, zona económica exclusiva, plataforma continental), um maritório que é estratégica e economicamente importantíssimo e cobiçadíssimo.

As Principais Rotas Marítimas Internacionais.

As Principais Rotas Aéreas Internacionais.

A Área Portuguesa de Pesquisa e Resgate.





Covid, Ciência e Charlatanisse

05.03.21 | Álvaro Aragão Athayde

Como reconhecer um charlatão


Uma imagem, uma referência, um artigo, um comentário, duas referências.


Não há “evidência científica”

Talvez esta pandemia pudesse, se as pessoas ao menos parassem para pensar, trazer-nos alguns ensinamentos. Sobre, por um lado, a eficácia da ciência. E, por outro, os seus limites.

Paulo Tunhas • Observador • 04 mar 2021, 00:09 • Original e comentários aqui

Em memória de Fernando Gil

Sou provavelmente a última pessoa a ter vocação para protestar contra a introdução em português de galicismos ou anglicismos em nome da pureza da língua. Falta-me, por assim dizer, o gosto. Em primeiro lugar, porque protestar é geralmente inútil, e, como muitas coisas inúteis, tende para o ridículo. Em segundo, porque a apropriação de vocábulos estrangeiros é um dos meios através dos quais a língua evolui. Em terceiro, porque eu próprio me sirvo deles quando tal me parece necessário. Por exemplo, uso a palavra “pervasivo” (do inglês pervasive) porque o mais pacato “invasivo” não transmite, parece-me, a ideia de uma infiltração generalizada que ocorre simultaneamente em todos os lugares. É um caso entre muitos. Há, é verdade, vá lá Deus saber porquê, galicismos que me irritam, como, por exemplo, “massivo”, mas não atribuo a essa irritação grande importância. E há, sobretudo, liberdades que têm outra dimensão, porque vão contra o que se poderia chamar a lógica da língua e, em consequência, introduzem nela confusões desnecessárias.

Por estes dias, por causa da Covid, toda a gente que aparece na televisão ou escreve nos jornais anda constantemente com a “evidência científica” na boca. Ora, acontece que tal coisa não existe. Ou melhor: não existe em português. Existe, sem dúvida, em inglês, onde, a partir do fim século XVII – é visível, creio que pela primeira vez, no Ensaio sobre o entendimento humano de Locke –, se cria a expressão self-evidence para designar aquilo que é patente, que salta aos olhos, deixando progressivamente evidence (que aparece no século XIV) com o sentido de indício que aponta para uma prova, de indício probatório. Em português, no entanto, as coisas passam-se diferentemente: “evidência” mantém o sentido da evidentia latina, tradução oferecida por Cícero da enargeia grega, significando algo que se confunde com um sentimento em que o subjectivo aspira a transcender-se em objectivo: o sentimento de algo tão perspícuo que, por definição, dispensa a prova. E, exactamente por “evidência” manter em português tal significado, a expressão, cada vez mais corrente, “auto-evidente” é o paradigma da redundância: “evidente” é já, pela sua própria natureza, “auto“.

Por isso, quando, por exemplo, as pessoas do Ministério da Saúde, falam de “evidência científica”, presumindo que pretendem falar em português e que se encontram habilitadas para o exercício, estão a falar de uma coisa que não existe. A ciência não lida, senão indirectamente, na reflexão que sobre ela se faz, com a evidência: lida com provas e indícios probatórios. Não há “presente evidência científica”: há indícios probatórios – num sentido mais forte, provas – que, a uma dada altura, legitimam uma maior ou menor confiança em certas hipóteses, numa escala de graus de assentimento complexa e extensa. Nada disso tem algo a ver com a evidência, embora o cientista possa perfeitamente experimentar um sentimento de evidência por relação à sua própria teoria, o que é sem dúvida interessante e importante – mas é outra questão.

Esta conversa da “evidência científica” anda muito ligada a um outro fenómeno contemporâneo, o da crença maciça na existência de um bloco inamovível chamado “ciência”, em torno do qual se mobilizam, agonisticamente, defensores e adversários. No seu aspecto mais cómico, tal atitude manifesta-se no título de um artigo publicado no mês passado no Público por Gabriel Leite Mota, que se apresenta como “doutorado em economia da felicidade”: “Acreditem na ciência, porra!”. Não duvido, é claro, que o autor tenha conseguido realizar o célebre “corte epistemológico” que nos permitiria transitar de uma concepção ideológica para uma concepção verdadeiramente científica da felicidade, apoiada nas suas determinantes económicas (a menos que se trate de uma concepção científica da economia apoiada nas suas determinantes felicitárias, se a inovação terminológica me é permitida). Não duvido, como disse, embora a tal “economia da felicidade”, que preside talvez à decisão do Governo, contestada por Francisco Assis, de lançar uma Lotaria Instantânea (vulgo “raspadinhas”) do Património Cultural, não apareça espontaneamente ao comum dos mortais como a base mais segura para a defesa da atitude científica. O problema é que a injunção “Acreditem na ciência!” (o “porra!” pode ser posto na conta de um subtil efeito estilístico, preferível ao mais ameaçador “senão…”) ilustra algo próximo daquilo que os filósofos chamam uma auto-contradição performativa: só é possível ser proferida a partir de um ponto de vista que em si desmente aquilo que se propõe defender. A ciência não é matéria de obrigações impostas.

A verdade é que esta atitude anda muito próxima da da nossa querida Greta Thunberg (por onde anda ela?) e dos muitos milhões que, inspirados pelo seu exemplo, por esse mundo fora desfilavam aos gritos de “Estamos do lado da ciência” contra o “aquecimento global”. Não pretendo de modo algum que não haja indícios probatórios a favor de causas antropogénicas do “aquecimento global”. O que quero dizer é que, como é frequente nas controvérsias científicas mais impuras (a “impureza” é sempre uma questão de grau), a presença de elementos políticos e ideológicos na controvérsia tende a inflectir esta na direcção de uma postura agonística em que as partes deixam de se ouvir uma à outra. Tecnicamente, passa-se da controvérsia ao diferendo, tal como Jean-François Lyotard o concebia. Não é um desenvolvimento natural nas controvérsias da ciência, que tendem a terminar com um acordo (que não se reduz a um mero “consenso científico”, ao contrário do que a moda presente interesseiramente nos quer fazer crer), embora em política ocorra com mais frequência. E, voltamos aqui ao princípio, os indícios probatórios, em virtude da passionalidade do conflito, aparecem magicamente transformados em evidências, no sentido português da palavra. Quer dizer: algo que salta aos olhos – que fura os olhos, como dizem os franceses – e que só um cego não vê. Neste sentido, derivado e corrompido, há, de facto, “evidências científicas”: falsas evidências falsamente científicas.

Somando tudo, talvez esta pandemia pudesse, se as pessoas ao menos parassem para pensar, trazer-nos alguns ensinamentos. Sobre, por um lado, a eficácia da ciência, que, através do trabalho desenvolvido nas farmacêuticas, descobriu, num tempo verdadeiramente muito curto, vacinas contra o vírus. E sobre, por outro lado, os seus limites, patentes nos problemas com os modelos matemáticos usados nas estratégias de combate à pandemia. Se se parasse para pensar, talvez a confiança (como coisa distinta da crença) na ciência se desenvolvesse, e talvez também a sanguínea certeza na fiabilidade dos modelos matemáticos que sustentam as previsões do “aquecimento global” (muito mais problemáticos do que os outros) se atenuasse um pouco, dando lugar a uma conversa mais racional. Mas é sem dúvida esperar demais. Como é que meio mundo conseguiria viver sem o prazer sublime de se dirigir aos restantes três quartos com uma frase que invariavelmente começa com: “A ciência diz…”?



Covid, Ciência e Charlatanisse

Quando lerem, ou ouvirem, alguém falar em 

  • Evidência científica,
  • Prova científica,
  • Verdade científica,

desconsiderem de imediato, não é Ciência, é Pseudo-Ciência, Charlatanice.



A Ciência e o Método científico na Wikipédia.







Etiqueta principal: Pseudo-Ciência.

Os quiduxos das mamãs

02.03.21 | Álvaro Aragão Athayde

Copinho de leite para o mano mais fofo e queriducho




Sou um tipo muito atado,
Ando mal-habituado,
A fazer só o que quero,
Tenho tudo, nunca espero.
A mamã é uma querida,
Lava a roupa, dá comida,
Faz de mim um incapaz,

Mas eu sou um bom rapaz,
Bom rapaz!

Apesar de ter escolha,
Não saio da minha bolha.
Estou tranquilo, estou tão bem,
Ao colo da minha mãe,
Que eu adoro, que me adora,
Que me liga de hora a hora,
Porque eu sou um incapaz.

Mas eu sou um bom rapaz,
Bom rapaz!

Acho que já sou capaz,
De fazer o que a mãe faz,
Mas é perfeito assim!
A Mamã faz por mim,
Tudo o que eu deixo para trás,
Como se eu fosse um incapaz!

Bom rapaz!
Bom rapaz!

Quando esbanjo o meu dinheiro,
Ela parte o mealheiro,
Sou o seu filho adorado,
Não quer ver-me atrapalhado.

Saio à rua,
Ela faz figas,
Liga aflita p’rás amigas,
Porque eu sou um incapaz,

Mas eu sou um bom rapaz!
Bom rapaz!

Deixa-me a roupa dobrada, p’ra eu vestir de madrugada e prepara-me a marmita com iogurte e uma barrita para, ao meio da manhã, eu me lembrar da mamã que alimenta o incapaz.

Mas eu sou um bom rapaz,
Bom Rapaz!

Acho que já sou capaz,
De fazer o que a mãe faz,
Mas é perfeito assim!
A Mamã faz por mim.

Tudo o que eu deixo para trás,
Como se eu fosse um incapaz!
Bom rapaz! Bom rapaz!




Os quiduxos das mamãs…

… têm uma certa tendência a “jogar do outro lado”, o que é complicado para as eventuais sensorte e, também, a alaparem-se nas tetas da política, o que é complicado para todas as, e todos os, sem-sorte.







Etiqueta principal: Caricatura Política.