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A Miragem da Imunidade de Grupo

26.08.21 | Álvaro Aragão Athayde

O Almirante Gouveia e Melo

Almirante Gouveia e Melo

 

Recebi há dias uma mensagem de correio electrónico, uma mensagem remetida por um colega e antigo colega — colega porque é, como eu, engenheiro electrotécnico e de computadores, antigo colega porque fomos contemporâneos no IST no tempo em que por lá fizemos Reuniões de Pavilhão para debatermos a Reforma Veiga Simão e a redução da duração dos cursos de engenharia de seis para cinco anos —, uma mensagem cujo assunto era A Miragem da Imunidade de Grupo, uma mensagem cujo cujo texto era 

Sem o detalhe dos números nem o conhecimento que o Vasconcelos Costa tem, também já tinha suspeitado que, com a variante Delta, podemos dizer adeus à Imunidade de Grupo.
   Como se conclui do que Vasconcelos Costa diz, isso não quer dizer que estejamos desarmados ou condenados. Mas quer dizer que temos de perceber o que passa e vai passar e temos de nos adaptar.
   Como estou farto de dizer aos amigos, não podemos estar sempre a invocar o santo nome da ciência em vão. Se queremos contar com a ciência (e queremos) temos de discutir as situações, de forma clara e transparente, para que as pessoas percebam e actuem em conformidade.

uma mensagem que trazia em anexo um ficheiro pdf que continha o texto que abaixo reproduzo

A MIRAGEM DA IMUNIDADE DE GRUPO

João Vasconcelos Costa

“Gouveia e Melo: vacinando acima de 85% da população “muito provavelmente iremos atingir” a imunidade de grupo”. Não é primeira vez que o almirante se pronuncia sobre o que não sabe. Também o têm feito políticos e comentadores opinativos. Lamentavelmente, também especialistas e até está escrito no atual plano de desconfinamento. Já somos alguns a dizer o contrário, mas estranho o silêncio de alguns epidemiologistas ou virologistas.

Escrevi aqui, há tempos: esqueçam a imunidade de grupo! Recordo uma noção básica: para que uma epidemia, ou pandemia, se extinga não é necessário que toda a população esteja imunizada. O vírus deixa de ter condições de propagação quando uma percentagem variável da população lhe é resistente, o que se chama imunidade de grupo (menos simpaticamente, imunidade de rebanho se traduzirmos à letra do inglês herd immunity), mas isto não é fenómeno de tudo ou nada. Segundo o modelo consagrado, SIR, depois o SEIR, a propagação depende de três variáveis: S, o número de suscetíveis (mais E, o número destes suscetíveis que estão efetivamente expostos); I, o número de infetados a cada momento; e R, o número de recuperados). Esta dinâmica não dá um salto brusco num só momento. A diminuição de S, principalmente pela vacinação, não tem efeitos só quando se atinge a imunidade de grupo.

Também é de conhecimento básico da epidemiologia que o limiar de imunidade de grupo (a fração da população resistente) se pode calcular em função do número reprodutivo, R0 (a quantas pessoas um infetado transmite), pela fórmula L=1-(1/R0). Vê-se facilmente que a imunidade de grupo para uma doença altamente transmissível, como o sarampo, com R0 de 16 a 18, exige uma altíssima percentagem de vacinados. No caso do SARS-Cov-2, os cálculos do R0 apontam para uma média de 2,5. Donde L=1-1/2,5=0.6 ou seja 60%. Com um valor de 3, chega-se aos quase 70% de que tanto se falou. É claro que não é necessário que esta seja a percentagem de vacinados. Se admitirmos como hipótese que a recuperação da infeção confere imunidade equivalente à vacinas, temos de entrar em conta também com a percentagem de recuperados que, em Portugal, é de cerca de 9%.

Isto complicou-se com a muito maior transmissibilidade da variante delta. De onde vêm os 85% de que agora tanto se fala? Calculando para um R0 de 6,7. De facto, é difícil calcular o R0 para uma variante que se instala já com a pandemia em pleno desenvolvimento. R0 não é o mesmo que Rt; o R0 refere-se à fase inicial, “natural”, quando ainda não estão em vigor medidas de combate. A estimativa do R0 da variante delta tem sido feita por modelos ou por projeção da sua transmissão a partir da situação atual. Os valores variam muito, entre 5 e 10. Podemos, portanto, aceitar, teoricamente, aquele valor de 6,7.

Mas as coisas são muito mais complicadas. O que sabemos bem das vacinas foi o resultado dos ensaios clínicos, havendo ainda poucos dados pós-vacinais. E os ensaios, que mostram cerca de 95% de eficiência, mediram-na em relação à doença clínica, quando sabemos que a maioria dos casos de covid são assintomáticos mas contribuindo para a transmissão. E, do ponto de vista epidemiológico e da extinção da pandemia, é isto que interessa exclusivamente, não a doença e as mortes. Ora ainda é incerta, com dados muito variáveis, a eficácia das vacinas contra a transmissão, que se sabe bem que também ocorre em vacinados. Com otimismo, aceitemos uma eficácia de 70%. Então, é necessário introduzir esse fator no cálculo do limiar de imunidade de grupo. Não é fácil calculá-lo, mas, muito grosseiramente, vou considerar 1/Et, sendo Et a eficácia vacinal contra a transmissão. Então, o limiar da imunidade de grupo passa a ser L=1/(1-6,7)x(1/0,7)=1,2, ou seja 120% da população! Claro que isto não significa irrelevância da vacinação. Repito que o controlo da epidemia tem uma dinâmica que não começa só com a imunidade de grupo. Toda a vacinação, a qualquer nível, tem sempre grande efeito no combate à infeção, que mais não seja – e é muito! – no combate à doença grave e à mortalidade.

Portanto, esqueçam a imunidade de grupo! Quer isto dizer que não se vai controlar a pandemia? De forma alguma. Como disse, isto não é coisa de zero ou cem. Todas as pandemias, mesmo sem vacinas, se extinguiram, como tal. Como tal, quer dizer com a transmissão epidémica ao nível que tivemos. Como sempre, o vírus vai estabelecer um equilíbrio com a população. Do ponto de vista evolutivo, isto é o lógico pela seleção natural: nenhuma espécie na natureza sobrevive (e a sobrevivência dos espécies é a lei natural) destruindo as suas fontes necessárias de vida. Da mesma forma, um vírus não pode destruir demasiadamente o seu alimento, as pessoas de que depende para a espécie sobreviver. Costumava dizer aos meus alunos que um vírus aparece como uma criança estouvada que parte a louça toda mas que depois amadurece e ganha juízo como adulto.

O que vai acontecer, como já aqui escrevi repetidamente, é que esse equilíbrio não passa pela impossível erradicação do vírus. Ele vai-se tornar endémico, sempre com um número de casos suficiente para a sua manutenção na natureza a baixo nível e provavelmente com menor letalidade, como acontece com muitos vírus. Vamos ter que aprender a viver com ele, protegendo vacinalmente (cada ano?) os mais vulneráveis à doença grave e à morte, como já acontece com a gripe. Alguns países (notoriamente o Reino Unido e Singapura) já adotaram isto como política e muitos outros, como os escandinavos (Suécia incluída desde há muito) estão na prática a fazê-lo, com quase total alívio do controlo (exceto a vigilância epidemiológica e o controlo das viagens), mesmo que não o digam explicitamente.

NOTA: excepcionalmente, tenho um pedido a fazer. Como não é fácil publicar nos jornais o que vai contra a opinião dominante e muito menos quando isso pode parecer crítica aos jornalistas, peço aos amigos que concordem com isto e achem importante a sua divulgação que o façam como puderem, nomeadamente partilhando este “post”.

 

Lida a mensagem e o anexo conclui que o meu colega ma tinha enviado por força do pedido que João Vasconcelos Costa, o autor, fazia na nota final.

Seguidamente, e dado que não conhecia João Vasconcelos Costa nem nunca nele tinha ouvido falar, fui investigar quem era.

Deu-me um bocadinho de trabalho, confesso, mas acabei por chegar à conclusão de que era licenciado, doutor e agregado em Medicina (Microbiologia), que tinha  sido investigador sénior e director do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência, professor catedrático convidado e director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (ver aqui) e, também, que o texto que o meu colega me tinha enviado tinha sido publicado no FAROL XXI, mas sem a nota final (ver aqui), e com a nota final (ver aqui), no Facebook do próprio João Vasconcelos Costa (ver aqui).

 

Isto feito respondi ao meu colega como segue 

Boa tarde

Obrigado pelo envio do texto “A Miragem da Imunidade de Grupo”, da autoria de João Vasconcelos Costa.

Segue o meu comentário.

O vírus pode ser visto como o predador, o humano como a presa e a imunidade de grupo como o equilíbrio predador-presa, sistema que pode ser matematicamente modelado pelas Equações de Lotka-Volterra. Ver também Interacções entre espécies - Predação.

Esta aproximação à questão é pouco comum nos médicos por duas razões:

    1. Estão focados no paciente, na Maria ou no Manel, não na população em geral.

    2. Querem curar o paciente, no limite evitar ao dito o sofrimento e a morte, o que não é possível de ser realizado caso nos foquemos na população em geral, não no paciente em particular.

Vacinar toda a gente parece ter funcionado no caso da Varíola, uma doença infecciosa causada por uma de duas estirpes do vírus da varíola – variola major e variola minor, mas não tem hipótese de funcionar no caso do coronavírus SARS-CoV-2 por duas razões:

    1. O vírus tem várias estirpes, não sendo ainda claro quantas, e parece estar continuando a mutar, o que significa que virá a ter ainda mais estirpes.

    2. As vacinas, pelo menos as ocidentais – Pfizer, AstraZeneca, Johnson & Jonhson – são de banda estreita, eficazes (e ao que parece não muito) para uma determinada estirpe, não para todas.

No que concerne às vacinas orientais – chinesa, iraniana, russa – nada digo porque nada sei.

Significa isto que a vacinação de toda a população, vacinação em que tantos estão tão interessados, é um Negócio da China para as Farmacêuticas que vendem as vacinas, para os Burocratas que recomendam a sua compra, para os Políticos que autorizam a dita compra, mas nada mais que isso.

E, nota, nem toquei na questão de as vacinas ocidentais serem experimentais, o que faz com que quem com elas é injectado vire cobaia da dita experimentação.

Abraço

Álvaro Athayde

 

População de presas e predadores obtidas utilizando o modelo de Lotka-Volterra

População de presas e predadores obtidas utilizando o modelo de Lotka-Volterra.

 

 

 

 

 

 

 

FIM